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11 de noviembre, 2020
Texto: Ketzalli Rosas (México)
Tradução: Mariana Sanches (Brasil)
A pandemia covid-19 atingiu os países em momentos diferentes. Na América Latina, chegou ao Brasil com o primeiro contágioem 26 de fevereiro de 2020. A partir desse momento os Estados começaram, um a um, a decretar quarentenas. Alguns são obrigatórios; outros com certas medidas de isolamento, e outros, como a Nicarágua, não impuseram nada.
O primeiro país da América Latina a entrar em quarentena foi o Uruguai, em 13 de março de 2020. Depois, mais países aderiram às medidas restritivas de mobilidade, como forma de reduzir os impactos do vírus nos sistemas de saúde. No primeiro dia de abril de 2020, estávamos todos trancados em casa e começamos a jornada de ver a vida passar através da janela.
Desde os primeiros dias de isolamento social, foram feitas ligações para as linhas telefônicas nacionais e para as linhas de denúncia de casos de violência de gênero. As mulheres passaram a denunciar a violência física, psicológica, sexual, entre outras, que sofreram ao passarem 24/7 no mesmo espaço com seus agressores: seus parentes, seus companheiros. A violência contra as mulheres não parou, apesar da crise global de saúde. Tampouco os casos de feminicídio.
No Uruguai, em 14 de março, apenas um dia após o decreto de quarentena, Zulema Silva Pintado foi assassinada pelo companheiro, que mais tarde tirou a própria vida. Nos demais países latino-americanos, as histórias não são diferentes: nos primeiros dias de isolamento os feminicídios foram ocorrendo. Os números, na maioria dos países, aumentaram em relação ao mês anterior.
Somente de março a junho de 2020, segundo dados oficiais e de organizações da sociedade civil, ocorreram 1.409 feminicídios nos 19 países investigados: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Por isso, a equipe de jornalistas de Violentadas em Quarentena decidiu construir um memorial às mulheres vítimas de feminicídio para o primeiro mês de quarentena – que é diferente em cada país investigado. Uma homenagem às mulheres que tiveram suas vidas tiradas no espaço que deveria ser o mais seguro: o lar.
O resultado desta investigação, na qual trabalhamos durante seis meses, documenta 361 casos de feminicídios cometidos em 19 países da América Latina e Caribe durante o exato primeiro mês de quarentena, ou, como no caso da Nicarágua, desde o primeiro contágio registrado, no mês seguinte.
País | Mês exato de quarentena |
Argentina | 20 de março a 20 de abril de 2020 |
Bolívia | 21 de março a 22 de abril de 2020 |
Brasil | 20 de março a 20 de abril |
Chile | 18 de março a 18 de abril de 2020 |
Colômbia | 25 de março a 25 de abril de 2020 |
Costa Rica | Não houve quarentena, mas sim medidas de restrição de 8 de março a 8 de abril de 2020 |
Cuba | 24 de março a 24 de abril de 2020 |
Equador | 16 de março a 16 de abril de 2020 |
El Salvador | 22 de março a 22 de abril de 2020 |
Guatemala | 1 a 30 de abril de 2020 |
Honduras | 15 de março a 15 de abril de 2020 |
México | 23 de março a 23 de abril 2020 |
Nicarágua | Não há quarentena. O primeiro contágio ocorreu em 18 de março. |
Paraguai | De 11 de março a 11 de abril de 2020 |
Peru | 16 de março a 16 de abril de 2020 |
Puerto Rico | 15 de março a 15 de abril de 2020 |
República Dominicana | 19 de março a 19 de abril de 2020 |
Uruguai | 13 de março a 13 de abril de 2020 |
Venezuela | 17 de março a 17 de abril de 2020 |
Não pretendemos oferecer um retrato completo dos feminicídios ocorridos durante o período de quarentena na América Latina e no Caribe. Seria uma tarefa difícil. Os números e dados oficiais e os coletados por organizações civis são diferentes. E embora o contraste seja necessário, a precisão também o é. No entanto, nosso banco de dados —que foi construído com dados oficiais, dados de organizações civis e coletivas e monitoramento da imprensa— oferece um panorama devastador.
O que encontramos?
México e Brasil são os países que lideram o maior número de feminicídios durante o primeiro mês de quarentena. O primeiro com 198 e o segundo com 48.
No Brasil, segundo acompanhamento da imprensa – de 21 de março a 22 de abril de 2020 – 48 mulheres foram vítimas de feminicídio. O número contrasta com os dados das Secretarias de Segurança do Estado, que registraram 120 feminicídios em março e 115 em abril; 235 feminicídios que não podem ser acessados nem mesmo por meio de pedidos de informações.
Isso mostra que possivelmente mais de 48 mulheres foram vítimas de feminicídio e das quais ainda não temos dados.
No caso do México, ocorre o contrário. A Secretaria Executiva do Sistema Nacional de Segurança Pública – órgão responsável pela cobrança da incidência de crimes em âmbito nacional, que conta com informações das 32 procuradorias estaduais – divulgou que ocorreram 79 feminicídios em março e 73 em abril; 152 femicídios para os quais o secretariado não fornece mais informações desagregadas. Número inferior ao documentado pela sociedade civil.
Este número de 152 feminicídios contrasta com os 198 obtidos a partir de uma revisão exaustiva do banco de dados sobre femicídios no México realizada pela ativista María Salguero desde 2016, justamente por meio de acompanhamento da imprensa. O banco de dados de Salguero mostrou 262 mortes violentas de mulheres de 23 de março a 23 de abril de 2020, o primeiro mês de quarentena; 198 feminicídios resultaram após uma revisão caso a caso.
A situação no Brasil e no México não é muito diferente da dos demais países.
Os cinco países onde a maioria dos feminicídios ocorreu durante o primeiro mês exato de quarentena são: México (198), Brasil (48), Argentina (28), Venezuela (19) e Colômbia (15).
Na maioria dos casos, os perpetradores eram parentes, parceiros ou ex-parceiros. Vários estudos explicam esse fenômeno. Segundo um indicador da CEPAL, na maioria dos países latino-americanos, 2 em cada 3 feminicídios ocorrem no contexto de relações com companheiro ou ex-companheiro.
Sabemos que nossa investigação ainda não terminou. Esse memorial é um exercício de memória, para não permitir que se negue que ocorreram esses feminicídios, que essas mortes não são eventos isolados, mas sim dinâmicas que afetam as mulheres. Ainda há muitos dados por vir. Portanto, convidamos você a somar na construção desse memorial, dos casos que não têm um rosto aqui, para os quais ainda podemos ampliar as informações, para construir suas histórias de vida. Porque cada uma dessas mulheres não é apenas mais um número e cabe a nós fazer isso por aquelas que não estão mais aqui.