Violentadas em quarentena

30 de abril, 2020

Escrito por: Nicole Martin (Argentina) e Carlos Mayorga (Colombia)
Ilustração: Alma Ríos (Mexico)

Tradução:

Mariana Sanches e Alice de Souza

Temos um acordo geral de morar em casas. Pequenas, de dois andares, com janelas grandes ou com banheiros antigos. A casa, como diria o filósofo Gastón Bachelard,é um ser privilegiado em sua unidade e complexidade. Mas hoje as casas são uma fortaleza. Um resguardo contra uma ameaça microscópica. E assim, os espaços das casas se transformaram. Tornaram-se um mundo mais complexo. De trabalho, atividades físicas e sociais; mas também onde nossos relacionamentos emocionais não virtuais se manifestam. E esses modos de viver com os outros podem ser difíceis. Violentos. Da porta para dentro pode ser um espaço perigoso para vários, em especial, para várias.

É claro que a violência contra a mulher por motivações de gênero é um assunto anterior ao covid-19, mas os alarmes disparam quando a pandemia que atravessa o mundo tem ocupado os países e isolado as mulheres junto aos seus agressores e possíveis feminicidas.

A Red Latinoamericana de Jóvenes Periodistas de Distintas Latitudes se questionou – e se preocupou – com um possível aumento de casos de violência de gênero desde março quando começou o isolamento social na região por causa da pandemia.

Este trabalho realizado por 30 jornalistas de 19 países ilustra como a violência de gênero, a violência contra a mulher e a violência intrafamiliar se apresenta na região e que soluções reais e estruturais estão sendo desenvolvidas na América Latina.

Violência contra a mulher por razões de gênero, concepções na região

“Violência de gênero” é um termo em construção, com definições diferentes dependendo da autora que aborda. A doutora em sociologia salvadorenha Laura Aguirre afirma que o conceito se refere a um tipo de violência específica que se exerce sobre um determinado grupo de pessoas devido à sua identidade de gênero, tudo dentro de um quadro de relações de poder históricas, as quais colocam o homem em um lugar de superioridade sobre o resto das identidades.

“A violência de gênero não é exclusiva contra as mulheres. A violência de gênero contra as mulheres é exercida pelo motivo de ser mulher, em termos concretos ou simbólicos. Ela também abrange outras identidades de gênero. Todas as identidades de gênero na comunidade LGBTQI+ estão sujeitas à violência de gênero por quaisquer razões específicas que possam ter”, afirma Aguirre.

Ao realizar esta investigação, a equipe de jornalistas do Distintas Latitudes concentrou-se nos dados sobre violência de gênero na América Latina. No entanto é necessário esclarecer que as leis latino-americanas que trabalhamos neste projeto sintetizam “violência de gênero” em “violência contra mulheres” e não incluem outras identidades de gênero, como a população LGBTQI+. Portanto, muitos dos números apresentados são de violência contra a mulher e de violência doméstica geral em tempos de COVID-19, sem necessariamente ter em conta a identidade de gênero da vítima.

No entanto, no âmbito do isolamento social, a Secretaria da Mulher de Bogotá e o Ministério da Mulher e Populações Vulneráveis ​​do Peru descobriram que principalmente as mulheres denunciaram os atos de violência. Mulheres agredidas por homens (muitos deles seus parceiros ou ex-parceiros); mulheres que dependem economicamente de outras pessoas, mulheres que foram colocadas ou fugiram para as ruas, na rua, sozinhas ou com seus filhos e filhas; mulheres que seus ex-parceiros ameaçaram levar seus filhos,  porque a casa deixou de ser um lugar seguro ou talvez porque nunca tenha sido. Essas e outras violências físicas, sexuais, psicológicas e econômicas se propagam e se alojam, como o vírus, em outras casas da América Latina.

O Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) alertou para o aumento esperado nos casos de violência contra mulheres e crianças. “O isolamento forçado que as quarentenas envolvem coloca as mulheres em um risco muito alto de violência extrema, vivendo em tempo integral com seus agressores”, dizia o comunicado divulgado em março.

Na maioria dos países da América Latina, com exceção de Cuba e Haiti, os Estados consideram esse problema como um eixo de combate. Segundo o Observatorio de Igualdade de Género  da América Latina e o Caribe, apenas 13 países latino-americanos possuem leis abrangentes de proteção à violência contra as mulheres e 18 países tipificam o feminicídio. Em geral, as políticas se concentram em números telefônicos de ajuda e aconselhamento, atenção nas delegacias e nas “casas das mulheres”, com uma perspectiva de gênero ou tipificações como “femicídio” e “feminicídio” que ajudam a identificar – e, portanto, fazer notar que existem – homicídios contra mulheres pelo fato de serem mulheres.

Apelo à violência: América Latina entre ascensões e quedas

Com exceção da Nicarágua – onde, até 30 de abril, o Governo ainda não havia adotado nenhuma restrição de mobilidade e nem medidas de distanciamento social – todos os países da América Latina abordados nesta investigação decretaram isolamento ou estratégias para reduzir o contato social como medida de prevenção frente à pandemia. Em março e abril, quase todos os países haviam registrado um aumento de chamadas por violência desde a quarentena decretada pela pandemia começou.

Na Colômbia, segundo o Observatorio Colombiano da Mulheres , as ligações para o número 155 – serviço de denúncia no país – aumentaram 163% desde que quarentena começou em 23 de abril. Enquanto que na Argentina, embora em um percentual menor, as chamadas para a linha nacional 144 de violência de gênero aumentaram 39% após o isolamento obrigatório e até o final de março. No Caribe, na República Dominicana, foi registrado um pico de 916 ligações para a linha feminina *212 em março, em comparação com 343 ligações em fevereiro.

Ao sul, no Paraguai, o Ministério da Mulher confirmou um aumento de 50% das ligações denunciando os casos de violência em março de 2020, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Na Bolívia, ao ligar para o número 800 14 0348, um consultor reconheceu um aumento nas ligações para a linha de apoio. Embora  ainda não tenha sido consolidado, garantiu que “são registradas cerca de 30 chamadas por dia desde março”. No Chile, a linha 1455 registrou um aumento de 67% no número de ligações de fevereiro a março de 2020, encerrando este último mês com 2.197 ligações. Já o Brasil, registrou um aumento das ligações e denúncias para o número 180 – linha de atendimento à violência doméstica. A média diária brasileira entre os dias 1 e 16 de março foi de 3.045 ligações e 829 denúncias, em comparação às 3.303 ligações e 978 denúncias registradas na segunda quinzena de março (de 17 a 25 deste mês); revelando um aumento de 9% nas ligações e 18% nas denúncias.

No entanto, nem todos os países contam com uma linha nacional, o que dificulta ilustrar o panorama. O México, por exemplo, país onde há mais de dois casos de feminicídio por dia, há números de telefone e, portanto, dados registrados em cada estado, somando a linha da mulher075, que funciona em cinco estados.  Foram registrados 983 casos de feminicídios em 2019, segundo contagem do governo. Porém, María Salguero, ativista feminista, detectou em jornais um total de 1.774 feminicídios, quase o dobro dos casos registrados pelo Estado. Apesar disso, até agora não houve uma estratégia concreta do governo de Andrés Manuel López Obrador para lidar com esta situação durante o isolamento.

Por sua vez, em El Salvador, ao tentar ligar para o número 126, que recebe denúncias e oferece atenção gratuita às mulheres vítimas de violência  a linha parecia desconectada. Situação que dificultou na obtenção dos dados.

Em alguns países, o isolamento significou uma queda nas denúncias. Na Argentina, na primeira semana de isolamento obrigatório (2/3 – 27/3), a Oficina de Violência Doméstica (OVD) da Corte Suprema de Justiça  da  Naçaõ recebeu um total de 26 denúncias. Enquanto antes da quarentena a média era de 50 por dia. Até 21 de abril, o FUNDAMUJER da Venezuela garante que, nos meses de março e abril, respectivamente, apoiaram 15 e 16 mulheres vítimas de violência. Valores abaixo da média de 32 pessoas nos meses anteriores. Em outros casos, o número de denúncias por telefone não aumentou, como no caso da Costa Rica.

Entre 9 e 22 de março, o Uruguai registrou 1.557 denúncias de violência doméstica, 7% a menos do que registrou no mesmo período em 2019. 

Segundo a imprensa do Equador, de Porto Rico e da Guatemala, o número de denúncias também diminuiu em março. A Secretaría da Mulher  do Ministério Público da Guatemala disse a jornalistas do Prensa Libre que as autoridades estão certas de que o círculo de violência não diminuiu. Mas que a restrição à mobilidade e o toque de recolher dificultam a denúncia. A presidente da Rede de Albergues para Vítimas de Violência Doméstica de Porto Rico, Vilmarie Rivera Sierra, afirmou a mesma situação no país caribenho.

Ações e estratégias dos países

Diante do alerta feito pela ONU, pela OEA e outras organizações internacionais que perceberam que a violência contra a mulher por questões de gênero podia e iria aumentar durante o isolamento, as organizações Women’s Link Worldwide, Anistia Internacional e International Planned Parenthood Federation elaboraram um guia para que os países implementassem durante o isolamento. Esse guia tem por objetivo: a garantia do direito de viver sem violência ou tortura por motivos de gênero; o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva; o acesso à justiça e os direitos dos migrantes, refugiados, pessoas deslocadas e em risco de se tornar um apátrida.

Em relação à mitigação da violência de gênero sofrida pelas mulheres, o guia propõe a realização de ações como extensões da proteção às mulheres vítimas de violência doméstica; operação de abrigos para mulheres e suas famílias; serviços de aconselhamento e linhas de serviço telefônico; que continuem sendo realizadas investigações judiciais por violências de gênero e intrafamiliar; que as mulheres possam denunciar sem serem penalizadas por violar o isolamento; e uma divulgação constante sobre os mecanismos de notificação durante a emergência sanitária.

Sobre essa questão, Nicole Kramm, porta-voz da 8M no Chile, enfatiza que os temas sobre equidade e violência de gênero devem ser obrigatórios nas agendas de todos os partidos políticos para que se possa trabalhar e resolver o problema de maneira estrutural. 

“Para erradicar a violência machista, deve-se buscar o empoderamento da mulher através da participação e tomada de decisões em todos os espaços”, argumenta a documentarista e referência feminista, uma das vítimas oculares da repressão do governo de Sebastián Piñera à mobilização popular.

Durante os isolamentos, vários países avançaram algumas das recomendações. Equador, Argentina, Guatemala, Colômbia, Uruguai, Porto Rico, entre outros promoveram campanhas nas redes sociais para incentivar as mulheres a denunciarem situações de violência de gênero. No Perú, o Ministério da Mulher e das Populações Vulneráveis , junto com o Programa das Nações  Unidas para o Desenvolvimento  (PNUD), elaborou uma cartilha informativa para orientar sobre a violência contra a mulher e a violência doméstica. Em Porto Rico, o escritório da Procuradora das Mulheres lançou a campanha #Amor= para “promover o amor e a convivência saudável em casa”.

No entanto, apenas a orientação pode não ser o suficiente. Segundo a organização “Intersocial Feminista” do Uruguai, também são necessários espaços de alojamento de emergência para mulheres e crianças que estejam fugindo da violência, assim como serviços de transporte que as levem até o local.

Cuba é um dos países que não considera o conceito de “violência contra a mulher por questão de gênero” em sua legislação. Devido à falta de canais do governo para denunciar, as organizações da sociedade civil, prevendo o risco que as mulheres estariam expostas durante o isolamento, promoveram canais independentes nas redes sociais e e-mails para atender e fornecer aconselhamento psicológico às mulheres vítimas de violência.

Desde que a quarentena começou até o final de março, no Perú, 25 mulheres, algumas acompanhadas de seus filhos, foram levadas para abrigos temporários. No México, os pedidos de mulheres exiladas na Rede Nacional de Refugiados aumentaram. Contudo,  o orçamento para prestar assistência às vítimas não aumentou. Na Argentina, foi prestada assistência privada à 3.810 mulheres que contataram a linha de apoio nacional. Além disso, os governos estaduais, organizadas pelo Ministério da Mulher, Gênero e Diversidade da Argentina, estão progredindo lentamente na formulação do Plano Nacional Contra a Violência por Razões de Gênero.

Feminicídios em isolamento

Embora o aconselhamento seja importante e necessário para as mulheres em situações de violência de gênero, a justiça tem um papel fundamental que pode impedir a pior forma de violência: o feminicídio. No entanto, em alguns países como Uruguai e Argentina, os órgãos correspondentes estão em recesso. Mesmo no Uruguai, o presidente Luis Lacalle Pou declarou em entrevista coletiva que “os feminicídios são um efeito colateral” da quarentena. Dias depois, após pressão social, foi decretada a extensão automática das medidas cautelares judiciais até o final do isolamento.

Em muitos países, como México, República Dominicana, Venezuela, Chile e Nicarágua, os feminicídios aumentaram em março, em menor ou maior grau. Na Guatemala e na Colômbia, eles diminuíram. Em El Salvador, as publicações nas redes sociais do Fiscal da República afirmam que houve uma queda durante o isolamento, enquanto a Organização das Mulheres Salvadorenhas pela Paz (ORMUSA) coletou dados que a Promotoria não retoma, contando com 8 feminicídios até 29 de abril. Na Argentina e Honduras, os números não indicam aumento, mas também não diminuíram. Elizabeth Gómez Alcorta, ministra das Mulheres na Argentina, destacou esse fator para a imprensa. No país em que é oficial, o Ministério da Segurança registrou uma queda de 90% nos crimes praticados em março. Os “femicídios”, como são nomeados neste país, eram mantidos em um a cada 29 horas, de acordo com a organização feminista “Mujeres de la Matria Latinoamericana” (MUMALÁ).

Este observatório identifica três meninas assassinadas junto a suas mães em registro dos femicídios de março. Esse é um fator comum nesses crimes. As crianças ficam órfãs ou são assassinadas junto com a mãe. Em alguns casos, elas estão sob a tutela do autor dos crimes. Ou até mesmo são assassinadas como forma de vingança contra a mãe. Segundo a MUMALÁ, 3.295 crianças e adolescentes ficaram sem mãe em 2010 e 2019, frutos de 2.749 femicídios na Argentina.

Além dos feminicídios, na América Latina são massivos os ataques a pessoas LGBTQI+. Em 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu um comunicado expressando a sua preocupação com os atos de violência e discriminação contra a comunidade. No entanto, no território que abrange do Caribe à Patagônia, não existem leis que considerem travesticídio ou transfeminicídio.

Em um relatório publicado no início de 2020, as ativistas Alejandra Collette Spinetti, do Uruguai; Bruna Benevides, do Brasil; e Sayonara Nogueira, da Argentina, coletaram dados de todo o mundo e descobriram que a América Latina e o Caribe são uma das regiões com mais pessoas trans vítimas de estupro e homicídio. Em 2019, houve 225 transfeminicídios, segundo este estudo, que destacaram a importância da tipificação desse tipo de conduta.

O Brasil é o país com mais assassinatos de pessoas trans da América Latina, com um total de 123 casos. O Uruguai e a Argentina são países um pouco mais avançados em relação a leis de identidade de gênero, mas também não mencionam o termo “travesticídio” ou “transfeminicídio” em sua legislação. Somente a Argentina, em um documento da Unidad Fiscal Especializada en Violencia contra las Mujeres, define diretrizes para a mensuração de transfeminicídios e travesticídios.

Rumo a soluções estruturais

O Ministerio das Mulheres, Gêneros e Diversidade  da Argentina, juntamente com as farmácias do país, estão fornecendo um mecanismo essencial para denunciar a violência contra as mulheres e a comunidade LGBTQI +, solicitando uma “máscara vermelha” (barbijo rojo) como código de alerta nas farmácias; na Colômbia, a Secretaria de Mulheres de Bogotá implementou um sistema de denúncias presenciais nas próprias cadeias; e o Ministerio da Mulher e da Equidade de Gênero  do Chile, desde 25 de abril, implementou uma nova medida para denunciar casos de violência de gênero em farmácias por meio da palavra chave “Máscara 19” (Mascarilla 19). Em muitos outros países, os canais de comunicação foram expandidos ou novos foram ativados.

No entanto, Rita Segato, antropóloga argentina, aponta para a diferença entre essas respostas de emergência e as que poderiam ser estruturais. Em conversa com a equipe do Distintas Latitudes, ela diferenciou três níveis: medidas de emergência, medidas de auxílio permanentes do Estado (legislação e serviços) e medidas estruturais. Embora as duas primeiras formas – que destaca, no atual governo argentino foram “bem concebidas” – se complementam, elas não propõem uma solução estrutural porque não transformam as relações de gênero.

“As medidas que aspiram a mudanças estruturais devem basear-se na investigação, conhecimento e entendimento da variedade de situações que resultam em violência de gênero: regiões do país, localidades, instituições diversas, gerações, classes, raças e povos étnicos. Um mapa amplo é essencial para avançar na formulação de uma intervenção que alcance o epicentro do problema a partir da diversidade de suas manifestações e possa transformá-lo”, esclareceu Rita Segato.

Além disso, ela enfatiza a importância de estudar o comportamento dos homens. As masculinidades são, segundo o doutor em filosofia cubano Ramón Rivero Pino, “significações e práticas associadas às distintas formas de ser homem”. São formas instituídas pelo sistema educacional, econômico, cultural e social. O trabalho de Rita Segato foca nos mecanismos da masculinidade e explica que, em uma situação de confinamento e ameaça, na qual há limitações de outras atividades fora de casa, o homem, de acordo com o mandato da masculinidade, pode sentir “emasculado ”(remoção da genitália masculina). Ou seja, menos homem. Segundo o estudo de Segato, a situação de “emasculação” é restaurada com violência.

Em muitos países da América Latina são abordados os homens que têm sido violentos de forma pedagógica. Em Cuba existe um programa de iniciativa do governo chamado “Masculinidades responsables”. No México há um número telefônico de atenção para homens que estão a ponto de cometer algum ato de violência. Na República Dominicana, existe o Centro de Intervención Conductual para Hombres, que oferece programas psicológicos e terapêuticos aos homens que foram levados à justiça por casos de violência de gênero. Na Costa Rica, no Instituto Nacional das Mulheres , está sendo elaborada uma campanha dirigida a homens sobre como controlar a raiva.  No Uruguai, um grupo chamado “Traidores de papá” realiza reuniões e workshops para questionar as atribuições de “ser homem”.

Adriana Guzmán, boliviana, referência do Movimiento Feminista Comunitario Antipatriarcal e da rede Feministas de Abya Yala (“América Latina” na língua originária Kuna), afirma que, na busca de uma solução estrutural para a violência de gênero, deve-se trabalhar nos casos de agressão que não ficam impunes. “Há menos índices de violência de gênero e feminicídios nas comunidades porque ali os agressores têm menos impunidade. Não se pode matar a parceria e continuar vivendo na comunidade”, afirma Guzmán.

De acordo com a justiça comunitária, os casos de violência são tratados com medidas que ensinam o resto das pessoas e não de maneira punitiva, apesar de haver uma medida de castigo, como a expulsão da comunidade. A mensagem nas cidades, onde há impunidade, enfatiza Guzmán, é que uma pessoa pode agredir as mulheres sem que nada aconteça.

Guzmán acrescenta que as políticas do Estado não são o suficiente e que precisa haver a certeza de que não será o Estado quem irá acabar com a violência, mas sim os homens que as executam. 

“É o Estado com os seus disque denúncia que quase nunca funcionam; com a sua polícia que chega tarde e sem soluções; com a sua incapacidade nos abrigos e que administra para que permaneça uma mensagem clara: se não fizermos o que deveríamos em um mundo patriarcal, eles irão nos atingir, eles podem nos matar”, explica.

É necessário repensar o sistema econômico, concluiu, e enfatizou uma necessidade de mobilização de grupos de mulheres, a fim de fortalecer a organização e a sororidade: “Não vamos deixar todas as nossas lutas, todos os nossos sonhos e todas as nossas esperanças no Estado, porque isso serviu apenas para acumular frustrações. Recuperar auto-organização e a autonomia, pois essas redes funcionam. Graças a essas redes feministas, a essas redes de mulheres, é que muitas de nós estamos vivas”.

Em um contexto de emergência, a posição deve ser de escuta, afirma Segato. Procurar entender o que está acontecendo na América Latina, analisar e atuar nas consequências é crucial para dar respostas às populações mais vulneráveis da sociedade. Que, devido à desigualdade de gênero, são as que mais sofrem com a tempestade que essa crise global significa.

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